Total de visualizações de página

sábado, 29 de janeiro de 2011

SOCORRO

Eu tenho uma amiga que vem de uma família de Marias. Por tradição, todas as mulheres tem nomes compostos, sendo o primeiro sempre Maria. E por décadas e décadas foram surgindo todas as combinações, que sempre acompanhavam os modismos. Tudo começou com a Maria de Lourdes, Maria da Conceição,  Maria Eugênia até a nova safra com as sobrinhas Maria Clara e Maria Luisa. Mas o destino sabe o que faz. Para ela, justo para ela, foi o escolhido, há uns 30 anos atrás, a combinação Maria do Socorro.  Um baita karma. Mas não sabiam os pais como estavam sendo precisos na escolha.
Na escola até que ela aguentou, quase sempre com bom humor, as inevitáveis brincadeiras e trocadilhos com seu nome. E como carioca abrevia tudo, rapidamente ficou conhecida apenas como Socorro. Para os íntimos S.O.S. Mas foi na vida adulta que a maldição do nome se concretizou.
Ela tinha tudo para dar certo, exceto o nome, é claro. Imagina o que deve ser passar uma vida inteira ouvindo os outros gritarem por Socorro. E esse socorro no caso, não é uma emergência ou situação ruim e sim a sua pessoa. Ela é bonita,  inteligente, simpática, sabe se cuidar e leva a vida quase sempre numa boa. Ela se dá bem em todos os setores de sua vida: trabalho, família e amigos. Mas na vida sentimental ela vive pedindo um help.
Assim como a Bela Adormecida, que após furar o dedo numa roca foi salva da maldição pelo beijo do príncipe encantado, Socorro acredita piamente que um dia um amor verdadeiro irá quebrar o feitiço do seu nome. E após anos tentando ser salva, ela será feliz para sempre. Quantas noites ela perdeu pensando em como tudo teria sido mais fácil se o seu nome fosse Linda, Vitória ou Valentina. Nomes muito mais positivos, para cima, alto astral.
Mas enquanto isso não acontece, Socorro vai treinando o seu esporte favorito: revezamento de sapos.

O primeiro ela batizou de Sapo Peter Pan. Ele adorava estar com ela, mas não se sentia preparado para assumir um compromisso sério, apesar dela ser sua companhia certa para casamentos, enterros e batizados. Mas o menino era muito novinho, tinha apenas 36 anos e meio e uma relação de dependência com a mãe. Um era prioridade zero do outro. Era tanta prioridade que parecia que ambos ainda estavam ligados por um cordão umbilical virtual... E quem pagava esse preço eram as mulheres que por ele passavam. Como iriam preencher o lugar da mulher da vida dele, se este lugar não estava vazio? Às custas de muitas lágrimas Socorro entendeu isso tudo e o deixou livre para procurar outra Wendy. Fim.
Depois veio o Sapo Micareta. Era super romântico e fiel, desde que no mesmo dia não rolasse um show da Ivete, um carnaval fora de época em alguma cidade brasileira (não importava a distância) ou um carnavio. No quesito vestimenta, ostentava com orgulho como camisetas seus ex-abadás, seja qual fosse o programa. Um graça. Super fashion e adequado a um jantar romântico, por exemplo.  Geralmente em março ele já estava com o carnaval do ano seguinte na Bahia  pré-pago. E depois de todos esses eventos é claro que ele não faltava as ressacas dos mesmos. Óbvio que ia a tudo sozinho (ele e sua gangue de amiguinhos entre 30 e 40 anos), pois como dizia uma de suas comunidades nas redes sociais: “só caso quando o Bel morrer”. Nota da autora: Bel, para quem tem o prazer de não saber, não é só o apelido de Isabel. É também o vocalista do Chiclete com Banana, o sensacional grupo de música baiana que arrebata milhares de seguidores com letras profundas, refrões fantásticos e coreografias infanto-xuxa-fetais. Da mesma forma que quando ouvimos essas músicas, por mais que não gostemos, custam a sair da cabeça, Socorro demorou para esquecer o Sapo Micareta. Mas um belo dia ela decorou a música certa e se pegou cantando: “então diga que valeu, nosso amor valeu demais”. Assim, um amor conjugado no passado. Fim.
Até que um dia surge o Sapo Ciumento. Esse é um clássico constante em qualquer currículo feminino que se preze e no dela não podia faltar. Era um americano lindo que fez Socorro acreditar que a solução seria partir para o produto importado. O rapaz fazia de questão de estar com ela, ligava sempre, mas tinha ciúmes até da própria sombra. E cada vez que Socorro tentava se explicar, a coisa piorava. Todas as brigas eram sem fundamento. Ele abriu uma CPI sobre o passado dela e parecia anotar as respostas, para futura conferência de dados. Uma vez ele a acusou de estar olhando para um cara de blusa verde na mesa de trás, cara esse que ela nem imaginava se era negro, branco ou fantasma.  Mas em matéria de ciúmes ele era bissexual pois se incomodava tanto com mulheres como com homens que conversassem em particular com  Socorro. Depois de concluir que para ter tanto ciúmes ou ele já tinha sido muito traído ou ele traia muito, Socorro tentou cortar o mau pela raiz terminando tudo. E graças ao orgulho dele não houve insistência. Ciumentos geralmente são bastante orgulhosos, como defesa a sua insegurança. Dessa vez Socorro foi até legal.  Terminou, mas orientou o rapaz que fosse procurar uma namorada num berçário, pois para dar certo ele, só mulher sem passado.
Nisso entra um novo aluno no curso de inglês, nem bonito, nem feio. Socorro até preferia os feios, achava que dava menos trabalho, mas o cara era  very smart e bem simpático. Logo no início foi surgindo uma amizade, um ajudava o outro no homework, até que um dia a turma saiu após o curso para beber e quando Socorro já estava bem mais altinha que seu 1,75 cm, tudo rolou. Aí viveram mais de um mês numa doce lua de mel, tudo dando certo, só alegria, achando graça até de topada em móvel. Só que chega aquela hora clássica que ele resolve se abrir e falar das ex’s.  E pelo relato do rapaz, Socorro o batizou instantaneamente de Sapo Masoquista. Como o bichinho gostava de sofrer. Colecionava ex’s que o dominavam com técnicas manjadas e baratas de terror psicológico. E por medo ele ficava com elas. Não que gostasse. Talvez esse comportamento viesse da relação autoritária que a mãe tinha com ele, mas isso não vem ao caso. Não ao caso de Socorro. É gente, podem acreditar. Tem homens que vem ao mundo para apanhar e para serem mandados. Se você trata bem, cuida, ajuda, eles até admiram, mas na cabeça deles o seu lugar é numa estante bem alta, como um troféu que não conseguem atingir, nem suportar o peso. O peso de uma mulher leve, normal, num mundo tão doido, com os valores todos invertidos.  Não sabendo como lidar com toda essa leveza, ele descartou Socorro. Era muito para ele. E foi a caça de outra que falasse mais alto, que desse ordens, golpes de todo tipo (incluindo o velho golpe da barriga), que se fizesse de vítima, de pobre coitada, que vivesse pedindo ajuda para tudo, para levar carro na oficina, levá-la para o salão, que infernizasse ligando para ele mil vezes ao dia durante o seu trabalho e, last but not least, que carregasse a bolsa dela nos ombros. Cá entre nós, existe coisa mais patética que homem passeando no shopping carregando a bolsa de cobra verde da mulher nos ombros? Acho que isso devia ser proibido. A não ser que a mulher estivesse de cadeira de rodas ou muletas. Mas como tem mulher para tudo, o Masoquista logo acha uma nova Dominadora que o bote ele no seu devido lugar. Um lugar inferior ao dela, é claro. FIM.
Se vocês estão lendo esperando um final feliz, sinto muito em frustrá-los. Corram para a banca de jornal mais próxima e procurem um romance barato de bolso, estilo Sabrina.
É gente, é triste mas tenho que contar o próximo capítulo. Socorro não está mais por aí, vagando de sapo em sapo. Ela se casou com o Sapo Marido. No início foi aquela euforia, tudo fica lindo quando visto pelas lentes da paixão.  Os primeiros meses de adaptação morando juntos até que não foram tão difíceis. Mas paixão tem tempo de vida, prazo de validade. E quando as máscaras caiem e a rotina entra pela porta da frente sem pedir licença, Socorro começou a duvidar de suas escolhas.  Ela acordava super cedo, dirigia mais de 1 hora até o trabalho, trabalhava num pique estressante até tarde. E quando chegava em casa para o segundo turno, tinha louça para lavar, casa suja, comida para fazer e um marido esparramado no sofá da sala pedindo uma coca light com gelo e algumas gotinhas de limão espremido. E mais tarde, quando ela entrava no seu terceiro turno do dia tinha que tomar banho e ficar linda, cheirosa e fogosa para a noite. Mas atravessar do quarto ao banheiro era uma verdadeira corrida de obstáculos, com toalha molhada em cima da cama, cuecas não lavadas pelo banheiro, jornal espalhado pelo chão, quilos e mais quilos de roupas usadas jogadas no carpete e  uma pilha de contas para pagar na mesinha de cabeceira. Desse jeito nem a Mulher Maravilha daria conta. E ainda tinha umas tias velhas que em toda reunião de família clamavam por filhos. Quarto turno? Num dia de só 24 horas? Porque quando os filhos nascem os homens até ajudam, mas não dura mais que o resguardo da mulher. Acho que ajudam só para ficar registrado nas fotos, trocando fraldas, dando banho. E Socorro já tinha visto muito bem esse filme com as suas amigas.  No fundo ela gostaria de saber quem foi que escreveu esse script para nós mulheres? Talvez nosso erro tenha sido tomar pílula e queimar os sutiãs. Mas não podemos culpar ninguém, fomos nós que quisemos mudar, né, ganhar o mundo, direitos iguais... Mas queríamos iguais, não muito mais obrigações para a gente.
Mas para quem está curioso, Socorro continua com a Sapo Casado, acreditando que as coisas vão entrar nos eixos um dia, que ele vai colaborar, que vão dividir prazeres, lazeres e afazeres. Pensa até em terapia de casais, mas acha que ele não vai topar, vai achar frescura. Mas deixa ela, né. É melhor ter esperanças do que sofrer com a realidade nua e crua. Eu também prefiro assim, pois pelo menos não se gasta com anti-depressivos.
Socorro me pediu que contasse a estória dela para vocês pois queria fossem divulgados todos os golpes da praça e todos os tipos de vírus, desculpe, digitei errado, quis dizer de Sapos. É claro que faltou muito coisa na listagem. Não falamos do Sapo Mau-humorado (aquele que humilha garçons), do Mentiroso (que inclusive acredita nas próprias mentiras), do Que-se-acha (que constrói todo o seu discurso para se auto elogiar nas entrelinhas), do Briguento (que além de fazer feio e brigar ainda tem orgulho de contar para os outros), do Hipocondríaco (que te troca por qualquer crise que o acometa) e por aí vai.
Aguardo comentários de vocês. Pois assim, da próxima vez que a gente entrar numa de brincar de conto de fadas vamos ter uma ideia melhor se o Sapo em questão não passa de um girino ou tem potencial a ser explorado.
E cá entre nós, a gente reclama deles, mas não consegue viver sem. Pois aí, quem vai para o brejo somos nós...
OBS: Vocês sabem que depois de escrever tanto estou meio em dúvida se minha amiga se chama mesmo Socorro. Quem sabe não é Paula, Cristina, Adriana, Juliana ... Mas que o nome Socorro representa muito bem todas nós quando o assunto é relacionamento homem/mulher, isso representa.

Janeiro /2011


4 comentários:

  1. No meu caso casei com um sapo bebezudo e temos uma girina linda, que atende como sua afilhada.

    ResponderExcluir
  2. Muito bom, amiga!!!
    Acho que qualquer mulher se indentifica com, pelo menos, um desses sapos... rsrsrsrs...
    Bjs,
    Mari

    ResponderExcluir
  3. Adorei os sapos!!! São tão reais... bjss

    ResponderExcluir
  4. hahahahha adorei! Acho q tenho um SAPO MISTO... produto importado/ciumento x sapo marido aff! Será q nao tenho um SOCORRO escondido na minha certidão???

    ResponderExcluir